De forma simples e lúdica, projeto Eu me protejo, criado em 2019, ensina crianças e pessoas com deficiência a preservarem seus corpos. Iniciativa utiliza materiais como livros e cartilhas acessíveis, além de teatros de fantoches e musicais
Projeto traz informações contra abuso sexual para escolas
Com o objetivo de combater o crime de abuso e exploração sexual infantil, o projeto Eu Me Protejo, fundado por Patricia Almeida e Neusa Maria, em 2019, ensina crianças e pessoas com deficiência a preservarem seus corpos. As informações são passadas de maneira lúdica e se incorporam ao aprendizado em sala de aula. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, somente no primeiro semestre deste ano foram registradas 297 ocorrências de estupros de vulneráveis no Distrito Federal. A iniciativa visa diminuir esse número, explicando de forma simples para as crianças como se proteger de abusos.
Por meio de cartilhas, livros, poemas, musicais e teatro de fantoches, o programa serve de apoio às famílias e aos educadores para tratarem esse assunto em sala de aula, uma vez que geralmente a criança se sente confortável para se expressar no ambiente escolar. Pais e professores aprovaram a iniciativa, sabendo da necessidade de o assunto ser abordado de forma figurada e nada complexa.
A psicóloga nascida em Brasília Neusa Maria, uma das idealizadoras do Eu Me Protejo, destaca a importância do projeto nas salas de aula e como ele ajuda crianças a se expressarem. "Ao brincar, a criança se expressa comunicando seus conflitos. A violência sexual na infância é um conflito, no qual a criança não tem como externalizar, não tem como falar, não tem como identificar. Por isso, a iniciativa é urgente e necessária para evitar qualquer tipo de violência sexual infantil", enfatizou.
Inclusão
A ideia do projeto surgiu quando a ativista social Patrícia Almeida matriculou a filha portadora de deficiência em uma escola pública do DF. Ao perceber a vulnerabilidade de Ana — filha de Patrícia — e de outros alunos ao abuso sexual nesta idade, a autora decidiu desenvolver um material para trabalhar o tema com crianças. Neusa Maria, a outra fundadora, se uniu à iniciativa após uma palestra sobre o programa, que passou a ser apresentado em escolas, onde professores e pais aprovaram a iniciativa.
Para que a proteção contra a violência sexual fosse posta em evidência de forma inclusiva, um livro e uma cartilha foram produzidos com linguagem simples e acessível, com audiodescrição em Libras, videolivro e nos idiomas inglês e espanhol. Esse fato chamou a atenção da Secretaria Nacional dos Direitos de Pessoas com Deficiência (SNDPD), que abraçou o projeto.
"O que mais chamou a atenção foi o fato de estar escrito com uma linguagem simples, em formatos acessíveis, servindo assim como instrumento facilitador da abordagem educativa sobre um tema que é tabu, o da violência sexual. Está escrito de forma a servir como instrumento facilitador, tanto para a família quanto para educadores e demais agentes públicos", explica a secretária da SNDPD, Anna Paula Feminella.
De acordo com ela, o projeto tem ajudado as crianças a entenderem sobre esse assunto tão complexo. "Elas compreendem que certas partes do corpo são íntimas, que podem ficar atentas a sinais de abuso e que têm como denunciar e receber apoio de adultos de confiança. Também ajuda familiares e profissionais a tratar de um assunto tão delicado, superando o tabu que muitas vezes silencia as pessoas", declarou.
Avaliações
Escolas, creches e instituições do DF e do Entorno participaram da experiência para o projeto ser implementado. Diretora-geral da Associação Maria de Nazaré, que atende crianças de 2 a 6 anos, Sônia Maria conta que os alunos gostaram muito de participar ativamente do projeto, sentindo-se mais seguras e confiantes. "Durante rodas de conversa, muitas passaram a relatar situações que indicavam sinais de abuso, o que demonstra que a aprendizagem sobre segurança pessoal foi significativa para elas", lembrou.
Kethlyn Vieira, mãe da Mariah Vieira, de 5 anos, estudante da associação, ressaltou a importância de apresentarem o Eu Me Protejo para as crianças e educá-las o quanto antes. "Ela entendeu claramente a mensagem e sabe que seu corpo é dela e que ninguém pode tocá-la sem sua permissão. Além disso, está bem informada sobre como agir caso alguém se aproxime de maneira inadequada, graças ao excelente ensino do projeto", enfatizou.
Expansão
O projeto Eu Me Protejo se expandiu nacional e internacionalmente. Por meio de uma parceria entre a Organização das Nações Unidas (0NU) e o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância, ele se espalhou pelo Uruguai, Bolívia, Argentina e Estados Unidos. Atualmente, a equipe conta com mais de 50 colaboradores, e o que era apresentado em cartilhas e livros se difundiu de uma forma lúdica para crianças, com musicais e peças teatrais de fantoches.
Uma das mascotes do projeto é a boneca Cotinha. Gabriel Calasans, 18 anos e estudante da licenciatura em artes, é quem manipula o fantoche e faz com que as crianças entendam a gravidade do assunto abordado e como se prevenir.
"É um grande aprendizado para as crianças e adolescentes irem ao teatro de fantoches para ver uma peça sobre o combate ao abuso sexual. O boneco traz consigo a ludicidade, a brincadeira e o faz de conta da coisa. Com isso, conseguimos, com simplicidade, tratar de um assunto tão delicado e tão necessário de ser discutido. Com o fantoche, conseguimos levar uma informação mais direta, para que todos entendam", salientou.
Calasans se lembra que Cotinha agradou às crianças em uma viagem que a equipe fez à Ilha de Marajó para apresentar o projeto, no dia do aniversário do estudante. "Foi o maior barato! As crianças ficaram encantadas com a visita. Sem sombra de dúvidas, um dos momentos mais lindos da minha vida. É muito gratificante ver o brilho nos olhos das pessoas e o carinho que elas têm com o fantoche. Em me sinto muito feliz, prestigiado e privilegiado por, mesmo com pouca idade, estar fazendo parte de algo tão grandioso assim", explicou.
Sucesso
O Eu Me Protejo também foi apresentado no Congresso Internacional de Síndrome de Down, em Brisbane, na Austrália. Por lá, a recepção ao programa foi positiva e especialistas analisam a possibilidade de ele ser implementado em escolas da Austrália.
O projeto também foi apresentado no Uruguai, para o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Unicef. Martin Nieves, coordenador da Secretaria da Pessoa com Deficiência de Montevidéu, conheceu o projeto no Brasil e aprovou para começar a ser adotado em associações e escolas para pessoas com deficiência no país vizinho.
Nacionalmente, o sonho das idealizadoras é que o material do programa seja distribuído junto com os livros didáticos em todas as escolas, e que o conteúdo faça parte do currículo acadêmico. Um projeto de lei nesse sentido já está sendo proposto. Em Santo Antônio do Descoberto, que é um exemplo para o país na implantação do Pacto pela Primeira Infância, a medida já foi adotada.
Emergência
O Disque 100 recebe denúncias de violações de Direitos Humanos, principalmente de populações em situação de vulnerabilidade social. O serviço funciona 24 horas e atende também a situações de emergência, acionando os órgãos competentes. As denúncias também devem ser registradas em delegacias regionais e nos conselhos tutelares.