Especialistas destacam a importância de toda sociedade em debater a questão da saúde mental em seus mais diversos aspectos. O sofrimento psíquico precisa ser abordado de uma forma multidisciplinar, principalmente na prevenção
CB.Debate aponta ações integradas para manter a saúde mental
O Correio Braziliense promoveu, ontem, o CB.Debate Saúde Mental, programa apresentado pelas jornalistas Adriana Bernardes e Carmen Souza. No primeiro painel, cujo tema era a percepção, prevenção e tratamento acerca das doenças mentais, as painelistas Joyce Avelar, mestre em psicologia clínica e cultura pela Universidade de Brasília (UnB); Larissa Polejack, diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária da UnB; e Monique Scalco, médica psiquiatra e mestra em ciências médicas da UnB, trouxeram luz ao tema.
Na abertura do debate, a diretora de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Fernanda Falcomer, ressaltou que é preciso falar sobre o tema 365 dias por ano. Segundo ela, todos, enquanto sociedade, têm um compromisso com a pauta da saúde mental. "Por isso, parabenizo o Correio pela iniciativa de debater o tema, que vai contribuir muito no processo de discussão sobre a saúde mental. Sempre há pessoas precisando de informação sobre o assunto", destacou.
Fernanda avaliou que o contexto pós-pandemia foi positivo, de certa forma. "Trouxe a oportunidade para que a população tivesse um contato maior com o tema, que é carregado de estigmas e preconceitos", observou. "Tratamos, na nossa cultura, pessoas que têm doenças relacionadas à saúde mental com isolamento", argumentou a diretora.
A gestora da SES-DF disse que a pasta tem investido bastante na divulgação e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial. "Todos, em algum momento da vida, seremos acometidos a algum sofrimento psíquico mais grave, que atrapalha a funcionalidade", alertou. "O importante é que a gente consiga lidar com ele e, quando o processo traz algum tipo de impacto na nossa funcionalidade, é o momento de pedir ajuda", acrescentou. Fernanda ressaltou que a Secretaria de Saúde conta com 176 unidades básicas de saúde (UBS), que são a porta de entrada, além de 18 centros de atendimento psicossocial (Caps), para acolher e dar oportunidade de tratamento a quem precisa.
Ela ressaltou como as redes sociais vêm influenciando os processos de adoecimento e sofrimento psíquico. "A gente tem visto uma questão relacionada ao uso delas como um fator que pode provocar adoecimento. É uma demanda que tem chegado aos nossos serviços", comentou. Outro tema que tem impactado os serviços de saúde mental da SES-DF, de acordo com a diretora, é a medicalização.
"Fica a ideia de que só se pode tratar sofrimento psíquico com remédios", criticou. "Temos várias formas de prevenir problemas de saúde mental, não só por meio de medicações. É importante divulgar isso para a população. Ter acesso a emprego e lazer podem fortalecer o processo de enfrentamento aos processos psíquicos", opinou Fernanda Falcomer.
"A saúde mental está diretamente ligada ao nosso bem-estar", afirmou a psicóloga Joyce Avelar (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )
Alerta ao consumismo
O perigo de como o bem-estar de muitas pessoas está diretamente ligado ao que elas consomem foi destacado pela mestre em psicologia clínica e cultura pela Universidade de Brasília (UnB), Joyce Avelar. "Se eu não estou bem, é porque não fiz minha skin care, por exemplo, ou não comprei aquela roupa. Por isso é importante observarmos o que o nosso modo de vida está nos proporcionando, se é algo que produz saúde ou doença", destacou.
Ela comentou que muitas vezes a população negra e periférica é a que sofre de maneira mais radical, a partir do momento em que tem os acessos e direitos negados, e não consegue acessar o sistema de saúde. "É inevitável pensar em saúde mental sem olhar para a questão da garantia de direitos e de dignidade à vida. É muito importante que a gente tenha em mente que as pessoas em condições de vulnerabilidade estão mais sujeitas ao adoecimento psíquico", pontuou.
Colocar a culpa do adoecimento psíquico somente no indivíduo é algo errado, pois essa condição está diretamente ligada a vários fatores e não nasce do vazio, de acordo com Joyce. "Podemos usar o exemplo de Brasília, onde a mobilidade urbana é extremamente precária para a população periférica e não podemos colocar essa culpa nas pessoas. Quando fazemos isso, alguém sai ganhando, pois paramos de questionar as estruturas e não enxergamos onde de fato o problema está", observa.
"Eu costumo pensar que o sofrimento psíquico sempre aponta para algum lugar, e normalmente o sofrimento psíquico aponta para essas condições de vida." Ao ser questionada sobre a importância de debater o tema, Joyce falou que saúde mental não deve ser discutida somente no Setembro Amarelo. "É um tema que permeia nosso cotidiano, nosso dia a dia e está diretamente ligado ao nosso bem-estar", detalha.
Por conta disso, a especialista dá dicas e cita que olhar para si mesmo e as relações com os outros podem ser formas de identificar o adoecimento mental. "A maior parte da população brasileira vive um cotidiano muito massacrante, em que pensar sobre saúde mental, sobre o próprio bem-estar, às vezes vai ficando em segundo plano", relata.
Debate sobre Saúde Mental. Na Foto Larissa Polejack defende que saúde mental é uma responsabilidade coletiva (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )
Responsabilidade coletiva
Diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária da Universidade de Brasília (UnB), Larissa Polejack falou sobre princípios norteadores e mitos adoecedores da saúde mental. Entre os princípios que devem norteá-la, na visão da especialista, estão determinantes da saúde e interseccionalidades; a saúde mental ser vista como uma responsabilidade coletiva; a importância das relações, afetos e sentidos; a promoção da saúde mental e a saúde mental enquanto compromisso institucional. "As empresas, escolas e a comunidade precisam olhar para isso. As instituições precisam assumir políticas de fortalecimento e cuidado em saúde mental", defendeu.
Entre os mitos adoecedores destacados pela professora no painel estão as máximas de que a saúde mental é uma questão pessoal, de que "quem vai se matar não avisa, vai lá e faz", de que o problema é da família e de que "quem não é especialista não pode fazer nada". "Nós somos humanos e todos nós podemos fazer sim alguma coisa, sem deixar de reconhecer a importância de profissionais qualificados", destacou.
Outra máxima que deve ser desmistificada, segundo Larissa, é a de que "nos acostumamos com a violência". "A violência é um dos principais fatores de risco para a saúde mental, em momento nenhum devemos nos acostumar", alertou.
A professora salientou ainda a importância de reforçar os fatores de proteção em saúde mental. São eles: sentimento de pertencimento, vínculos afetivos, rede de apoio, sentir que pode fazer a diferença, solidariedade, sentir-se reconhecido, sentimento de ser capaz, lazer e descanso, acolhimento e aceitação. "Quando a gente reforça o valor da solidariedade, cooperação e colaboração, estamos ampliando os fatores de proteção em saúde mental", afirmou. "A capacidade de escutar e se importar salva vidas", finalizou.
Debate sobre Saúde Mental. Na Foto Monique Scalco (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )
Um país com depressivos
Monique Scalco, médica psiquiatra e mestra em ciências médicas da Universidade de Brasília (UnB) colocou a depressão como centro de seus argumentos trazidos ao debate. Monique lembrou que o Brasil está no 5º lugar no ranking de países mais depressivos, segundo dados de 2015 da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A médica ressaltou que há diferenças entre estar triste e ser acometido pela patologia, de fato. "É importante dizer que tristeza não é depressão, mas um sentimento que faz parte do nosso repertório afetivo, e que é, inclusive, importante em algum grau para sedimentar as coisas que a gente viveu. Não se pode achar que vai ser agradável sentir tristeza, mas, ao mesmo tempo, não é ideal patologizar toda vez que a gente se sentir triste, mesmo quando a tristeza foi intensa, como no caso do luto", apontou.
"A depressão é uma condição clínica, uma situação não cíclica, em que a pessoa se sente triste, para baixo, quase todos os dias, praticamente o tempo todo, o que acaba afetando a vida, desde suas relações até o trabalho, isso merece atenção e cuidado", destacou.
A psiquiatra salientou que a síndrome tem diferentes formas de se manifestar, mas que a mudança de humor é considerada um dos sintomas principais. "Há também a redução do interesse ou a falta de capacidade de sentir prazer nas coisas que antes eram prazerosas, isso é a anedonia. Esses são os dois sintomas nucleares. A partir desses, a gente tem outros que são sintomas acessórios. Muitas vezes, eles vêm todos juntos. Outras vezes, vêm em uma intensidade menor. É uma doença muito heterogênea", explicou.
Para prevenir a doença, não há segredos, segundo a especialista. "Eu costumo brincar que as avós sempre estiveram certas: dormir e acordar nos mesmos horários; tomar sol pela manhã; adormecer no quarto escuro; comer bem e praticar exercícios físicos previnem."
Sobre o tratamento, ela lembrou que, a depender da gravidade, os medicamentos podem fazer parte dos cuidados com a doença, mas que não são, necessariamente, o único caminho.
Alerta ao consumismo
O perigo de como o bem-estar de muitas pessoas está diretamente ligado ao que elas consomem foi destacado pela mestre em psicologia clínica e cultura pela Universidade de Brasília (UnB), Joyce Avelar. "Se eu não estou bem, é porque não fiz minha skin care, por exemplo, ou não comprei aquela roupa. Por isso é importante observarmos o que o nosso modo de vida está nos proporcionando, se é algo que produz saúde ou doença", destacou.
Ela comentou que muitas vezes a população negra e periférica é a que sofre de maneira mais radical, a partir do momento em que tem os acessos e direitos negados, e não consegue acessar o sistema de saúde. "É inevitável pensar em saúde mental sem olhar para a questão da garantia de direitos e de dignidade à vida. É muito importante que a gente tenha em mente que as pessoas em condições de vulnerabilidade estão mais sujeitas ao adoecimento psíquico", pontuou.
Colocar a culpa do adoecimento psíquico somente no indivíduo é algo errado, pois essa condição está diretamente ligada a vários fatores e não nasce do vazio, de acordo com Joyce. "Podemos usar o exemplo de Brasília, onde a mobilidade urbana é extremamente precária para a população periférica e não podemos colocar essa culpa nas pessoas. Quando fazemos isso, alguém sai ganhando, pois paramos de questionar as estruturas e não enxergamos onde de fato o problema está", observa.
"Eu costumo pensar que o sofrimento psíquico sempre aponta para algum lugar, e normalmente o sofrimento psíquico aponta para essas condições de vida." Ao ser questionada sobre a importância de debater o tema, Joyce falou que saúde mental não deve ser discutida somente no Setembro Amarelo. "É um tema que permeia nosso cotidiano, nosso dia a dia e está diretamente ligado ao nosso bem-estar", detalha.
Por conta disso, a especialista dá dicas e cita que olhar para si mesmo e as relações com os outros podem ser formas de identificar o adoecimento mental. "A maior parte da população brasileira vive um cotidiano muito massacrante, em que pensar sobre saúde mental, sobre o próprio bem-estar, às vezes vai ficando em segundo plano", relata.
Responsabilidade coletiva
Diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária da Universidade de Brasília (UnB), Larissa Polejack falou sobre princípios norteadores e mitos adoecedores da saúde mental. Entre os princípios que devem norteá-la, na visão da especialista, estão determinantes da saúde e interseccionalidades; a saúde mental ser vista como uma responsabilidade coletiva; a importância das relações, afetos e sentidos; a promoção da saúde mental e a saúde mental enquanto compromisso institucional. "As empresas, escolas e a comunidade precisam olhar para isso. As instituições precisam assumir políticas de fortalecimento e cuidado em saúde mental", defendeu.
Entre os mitos adoecedores destacados pela professora no painel estão as máximas de que a saúde mental é uma questão pessoal, de que "quem vai se matar não avisa, vai lá e faz", de que o problema é da família e de que "quem não é especialista não pode fazer nada". "Nós somos humanos e todos nós podemos fazer sim alguma coisa, sem deixar de reconhecer a importância de profissionais qualificados", destacou.
Outra máxima que deve ser desmistificada, segundo Larissa, é a de que "nos acostumamos com a violência". "A violência é um dos principais fatores de risco para a saúde mental, em momento nenhum devemos nos acostumar", alertou.
A professora salientou ainda a importância de reforçar os fatores de proteção em saúde mental. São eles: sentimento de pertencimento, vínculos afetivos, rede de apoio, sentir que pode fazer a diferença, solidariedade, sentir-se reconhecido, sentimento de ser capaz, lazer e descanso, acolhimento e aceitação. "Quando a gente reforça o valor da solidariedade, cooperação e colaboração, estamos ampliando os fatores de proteção em saúde mental", afirmou. "A capacidade de escutar e se importar salva vidas", finalizou.
Um país com depressivos
Monique Scalco, médica psiquiatra e mestra em ciências médicas da Universidade de Brasília (UnB) colocou a depressão como centro de seus argumentos trazidos ao debate. Monique lembrou que o Brasil está no 5º lugar no ranking de países mais depressivos, segundo dados de 2015 da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A médica ressaltou que há diferenças entre estar triste e ser acometido pela patologia, de fato. "É importante dizer que tristeza não é depressão, mas um sentimento que faz parte do nosso repertório afetivo, e que é, inclusive, importante em algum grau para sedimentar as coisas que a gente viveu. Não se pode achar que vai ser agradável sentir tristeza, mas, ao mesmo tempo, não é ideal patologizar toda vez que a gente se sentir triste, mesmo quando a tristeza foi intensa, como no caso do luto", apontou.
"A depressão é uma condição clínica, uma situação não cíclica, em que a pessoa se sente triste, para baixo, quase todos os dias, praticamente o tempo todo, o que acaba afetando a vida, desde suas relações até o trabalho, isso merece atenção e cuidado", destacou.
A psiquiatra salientou que a síndrome tem diferentes formas de se manifestar, mas que a mudança de humor é considerada um dos sintomas principais. "Há também a redução do interesse ou a falta de capacidade de sentir prazer nas coisas que antes eram prazerosas, isso é a anedonia. Esses são os dois sintomas nucleares. A partir desses, a gente tem outros que são sintomas acessórios. Muitas vezes, eles vêm todos juntos. Outras vezes, vêm em uma intensidade menor. É uma doença muito heterogênea", explicou.
Para prevenir a doença, não há segredos, segundo a especialista. "Eu costumo brincar que as avós sempre estiveram certas: dormir e acordar nos mesmos horários; tomar sol pela manhã; adormecer no quarto escuro; comer bem e praticar exercícios físicos previnem."
Sobre o tratamento, ela lembrou que, a depender da gravidade, os medicamentos podem fazer parte dos cuidados com a doença, mas que não são, necessariamente, o único caminho.
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Debate sobre Saúde Mental. Na Foto Monique Scalco Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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Debate sobre Saúde Mental. Na Foto Larissa Polejack defende que saúde mental é uma responsabilidade coletiva Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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"A saúde mental está diretamente ligada ao nosso bem-estar", afirmou a psicóloga Joyce Avelar Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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Debate sobre Saúde Mental. Na Foto Monique Scalco Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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fonte: correio braziliense df