Procurador-geral da República recebeu o relatório da Polícia Federal sobre os indiciamentos pelo sup
Gonet decide destino de Bolsonaro
O próximo passo do inquérito que apura o suposto esquema de venda de joias da União durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) está nas mãos do procurador-geral da República, Paulo Gonet. O chefe do Ministério Público Federal (MPF) recebeu o relatório da Polícia Federal (PF), que indiciou 12 pessoas, incluindo o ex-presidente, e deve anunciar até 21 de agosto se denunciará os envolvidos na investigação.
O indiciamento foi oficializado pela PF em 4 de julho, durante o recesso forense, mas só chegou à Procuradoria na semana passada. Gonet terá de definir contra quais dos investigados oferecerá a denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF). O prazo para entrega do parecer foi definido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro foi indiciado com 11 aliados pelos supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. De acordo com a PF, a tentativa de desvio de bens recebidos pelo governo brasileiro na gestão dele pode ter chegado ao valor de mercado de cerca de R$ 6,8 milhões.
Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, o ex-presidente era o mandante do esquema. Os valores adquiridos com a venda dos bens eram repassados em dinheiro vivo para evitar rastreamentos.
Outros indícios apontam que Bolsonaro levava as joias para o exterior durante viagens presidenciais em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Na investigação, o ministro Alexandre de Moraes autorizou o pedido de cooperação internacional feito pela PF para solicitar aos Estados Unidos a quebra de sigilo bancário das contas do ex-chefe do Executivo, de Mauro Cid e do pai dele, general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid.
Tentativa frustrada
O inquérito teve início após um ex-assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque tentar entrar no país, em 2021, com um conjunto de joias da Arábia Saudita que seriam um presente à então primeira-dama, sem declarar à Receita Federal. O kit da marca Chopard era composto por colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes, e foi avaliado em R$ 5 milhões.
Os objetos deveriam ter sido incorporados ao patrimônio da União. Em depoimento à PF, Bolsonaro optou por ficar em silêncio. Em outras ocasiões, no entanto, o ex-presidente negou ter ordenado a venda de joias, disse que não pediu ou recebeu presentes e reiterou que não há “qualquer ilegalidade” em seus atos.
Nos bastidores, a formalização da denúncia contra Jair Bolsonaro é dada como certa. A outra possibilidade é que Gonet prorrogue a análise do relatório da PF, caso julgue necessário. Enquanto a Procuradoria não se decide, o ex-chefe do Planalto viaja pelo país para apoiar seus aliados nas campanhas municipais deste ano.
Comentário de Melillo Dinis
"Qualquer que seja o caminho adotado pela PGR neste caso, ainda haverá muitas chances para o ex-presidente, com base na ampla defesa e no contraditório, oferecer sua versão dos fatos, dentro do devido processo legal,” destaca o advogado e analista político Melillo Dinis.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro é outra peça fundamental no caso. Segundo a investigação, o conjunto de joias da Arábia Saudita seria para ela. No entanto, Michelle não foi indiciada pela PF por suposta apropriação e venda ilegal de itens que faziam parte do acervo presidencial. Para os investigadores, não foram encontradas evidências da participação de Michelle nesses atos. Ela chegou a ironizar o caso, afirmando que iria criar uma marca de joias chamada “Mijoias”.
A mistura do interesse público com os objetivos privados pode levar os agentes públicos a serem enquadrados nas leis de Improbidade Administrativa (8.429/92), do Funcionalismo (8.112/90) e no Código Penal.
Jair Bolsonaro tem evitado tocar no assunto, pois há outro inquérito que também está tirando o sono do ex-presidente: o caso da Abin paralela, que apura uso da Agência Brasileira de Inteligência para espionagem ilegal, além da suspeita de interferência e elaboração de um plano para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação sobre a “rachadinha” (desvio de recursos de seu gabinete).
A advogada criminalista Railane Roma ressalta que o andamento das investigações pode gerar novos desdobramentos passíveis também de apuração. “As investigações podem ser interconectadas, e evidências ou confissões em um caso podem influenciar outros. Se Bolsonaro ou seus aliados forem condenados em um caso, isso pode fortalecer a posição da acusação em outros inquéritos,” diz.
Comentário de Fabio de Sá e Silva
O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA), Fabio de Sá e Silva, aponta que a investigação traz fortes evidências de que houve tentativa de apropriação das joias, que eram de propriedade do Estado brasileiro, por particulares. “Também há indícios fortíssimos de que o ex-presidente Bolsonaro participou disso, estava ciente das manobras para a venda das joias, as quais endossou com um simbólico ‘selva’. Há vários elementos de prova direta, como documentos, mensagens trocadas, fotos,” afirma.
Silva cita outros processos em que Jair Bolsonaro é alvo. “Considerando todos os inquéritos (joias, cartões de vacinas, Abin paralela, milícias digitais e atos antidemocráticos), a impressão que fica do governo anterior é que, enquanto destruía políticas públicas relevantes, atuava para se apropriar de patrimônio público, cometer abusos e dar um golpe para se perpetuar no poder contra a vontade do eleitorado. Fechou o bingo da má governança,” conclui.