Bombardeio com 236 mísseis e drones atinge infraestrutura do setor elétrico em 15 regiões, mata pelo menos sete civis, fere 47 e provoca condenação dos EUA e do Reino Unido. Moradores de Kiev relatam momentos de tensão ao Correio
Rússia lança maior ataque aéreo em 914 dias de combates contra Ucrânia
Há um ditado na Ucrânia segundo o qual "a música é a alma do povo ucraniano". Enquanto armamentos russos cruzavam o céu do país, mais de 52 mil civis buscavam abrigo nas estações de metrô de Kiev, inclusive 4.500 crianças. Em meio ao medo, muitas pessoas entoavam a música Yak tebe ne lyubyty, Kyyive miy? ("Como eu não posso amá-la, minha Kiev?"), considerada um segundo hino nacional. Entre 6h e 10h desta segunda-feira, 26/8 (zero hora e 4h em Brasília), a Rússia lançou 236 mísseis e drones Shahed contra 15 oblasts (regiões) da Ucrânia, deixando pelo menos sete mortos e 47 feridos, entre eles três crianças e um bebê com menos de um ano.
O maior ataque aéreo em 914 dias de guerra alvejou o sistema elétrico e foi qualificado de "ultrajante" pelos Estados Unidos. "Condenamos nos termos mais enérgicos possíveis a contínua guerra da Rússia contra a Ucrânia e seus esforços para mergulhar o povo ucraniano na escuridão à medida que a queda se aproxima", declarou John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. O Reino Unido referiu-se à ofensiva russa como "covarde".
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou que a maioria dos ataques visou a infraestrutura civil crítica. "O setor de energia sofreu danos significativos, mas o trabalho de restauração está em andamento em todas as áreas afetadas pelos blecautes", disse. Ele tornou a pedir que o Ocidente cumpra com os compromissos firmados com Kiev e forneça sistemas de defesa aérea e mísseis.
Bombeiros trabalham para combater fogo depois de queda de míssil em Odessa, no sul do país (foto: Serviço de Emergência Ucraniano/AFP)
Zelensky acrescentou que o líder russo, Vladimir Putin, somente pode agir dentro dos limites estabelecidos pela comunidade internacional. "Fraqueza e respostas inadequadas alimentam o terror", advertiu. "Poderíamos fazer muito mais para proteger vidas se a aviação dos nossos vizinhos europeus trabalhasse em conjunto com nossos F-16 e com nossa defesa aérea. Nossos parceiros têm poder de nos ajudar a deter esse terror. A hora para uma ação decisiva é agora."
O Ministério da Defesa da Rússia confirmou que realizou um "bombardeio em larga escala" contra instalações de energia necessárias para o "funcionamento do complexo industrial-militar da Ucrânia". "Todos os alvos foram atingidos", acrescentou, por meio do aplicativo de mensagens Telegram. Um "dispositivo voador" foi detectado em sobrevoo no território da Polônia, país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "As características mostram que não era um míssil hipersônico, balístico ou teleguiado", afirmou à imprensa o general Maciej Klisz, comandante das forças operacionais polonesas.
Blecaute
Às 23h25 (17h25), o Correio falava com Kyrylo Lourerenko, 56 anos, diretor-executivo da Rádio Hromadske, em Kiev, quando as sirenes antiaéreas soaram na capital. Pela manhã, no momento do ataque massivo, Lourekenko escutou explosões ao longe, enquanto se preparava para uma viagem de 60km. "Assim que chegamos ao centro de Kiev, voltei a ouvir as explosões. De repente, escutei mais três estrondos altos, o que significava que a defesa antiaérea tinha interceptado mísseis. Meus colegas começaram a relatar a falta de eletricidade em alguns bairros. Percebi que havia um blecaute depois que a chaleira elétrica parou de ferver água, e a máquina de lavar roupa deixou de funcionar, em minha casa. A energia voltou somente por volta das 23h", relatou.
Casal se abraça diante de local atingido por artefato russo, também na região de Odessa (foto: Serviço de Emergência Ucraniano/AFP)
As sirenes antiaéreas acordaram Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (em Kiev), às 3h, antes da onda de ataques. "Tentei voltar a dormir, mas comecei a escutar o barulho da defesa antimísseis no subúrbio de Kiev. Quando me levantei, li nas redes sociais que alguns caças russos Tupolev tinham decolado e, por isso, o disparo de mísseis era altamente provável. O canal da Força Aérea da Ucrânia no WhatsApp reportou diferentes tipos de mísseis atingindo distintas cidades", contou ao Correio. "Ao entrar no metrô, vi centenas de pessoas se escondendo. Algumas trabalhavam, outras olhavam a notícia ou abraçavam seus filhos ou animais de estimação. No caminho da estação até a universidade, voltei a escutar explosões e fui direto para o porão."
EU ACHO...
Oleksandra Matviichuk, 40 anos, diretora da ONG Centro de Liberdades Civis (Kiev), laureada com o Nobel da Paz, em 2022 (foto: Sergei Capon/AFP)
"No domingo, a Rússia atacou hotel em Kramatorsk. Uma colega está em estado grave no hospital. Hoje (ontem), outro hotel foi atingido em Kryvyi Rih. As equipes de resgate trabalham sobre os escombros. Amanhã, a Rússia atingirá outro alvo civil em outra cidade. Ninguém se importa com isso. Nossos parceiros internacionais nem mesmo permitem à Ucrânia usar suas armas para atacar instalações militares na Rússia."