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Declaração foi dada na Etiópia, no último dia da viagem do presidente à África. Israel reage e convo

Lula compara mortes em Gaza ao Holocausto

No último dia da primeira viagem internacional do ano, em que visitou Egito e Etiópia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu, ontem, o tom das críticas a Israel, provocando uma dura reação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de aliados dele e de judeus no Brasil e no mundo. Em viagem a Adis Adeba, capital da Etiópia, Lula comparou a guerra na Faixa de Gaza ao genocídio que ocorreu no Holocausto, quando o regime nazista matou, na Segunda Guerra Mundial, milhões de judeus, ciganos, comunistas e homossexuais.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula, ao responder uma pergunta sobre a decisão do Brasil de manter doação de recursos para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA, na sigla em inglês).

Para o presidente, é um equívoco a interrupção das doações internacionais aos palestinos, que ocorre após o governo israelense denunciar que funcionários do órgão participaram do ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, em 7 de outubro do ano passado.

“Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar a contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente. Qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que, na Faixa de Gaza, não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio”, declarou Lula. (Leia ao lado)

A comparação de Lula gerou reações intensas em Israel. O Estado israelense, fundado em 1948 e imediatamente reconhecido pelo governo do Brasil na ocasião, nasceu da repartição da então Palestina britânica. O embaixador brasileiro Oswaldo Aranha, que presidiu a sessão que estabeleceu o Estado judeu, é reverenciado até hoje por israelenses.

Depois das declarações, Netanyahu convocou o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, para prestar esclarecimentos. O gesto, no protocolo diplomático, significa grave descontentamento com as posições do país. Carioca, Meyer, de 70 anos, está entre os mais experientes do Itamaraty. Com 46 anos de carreira, atuou como embaixador do Brasil no Cazaquistão, no Marrocos e em missões diplomáticas no Iraque, na Rússia, na Suíça, em Cuba, na Guiana e nas Nações Unidas.

A convocação do embaixador acentua a crise diplomática entre Brasil e Israel. Para Netanyahu, as palavras do presidente Lula “cruzaram a linha vermelha”, desqualificando a operação militar em Gaza contra os militantes do Hamas.

O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, também se manifestou, classificando as declarações de Lula como “vergonhosas”. “As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e alarmantes. Essa é uma banalização do Holocausto e uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender”, disse o chanceler. O Itamaraty não se pronunciou sobre a manifestação de Netanyahu, a orientação interna é aguardar a convocação do embaixador e evitar o agravamento da crise.

Reações

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiou as declarações, classificando-as como uma “distorção perversa da realidade que ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes”. A entidade criticou também a posição do governo brasileiro em relação ao conflito. “Uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira”, destacou o texto.

Antes da entrevista, Lula manteve uma intensa agenda política na capital da Etiópia. Ele se reuniu com presidentes africanos do Quênia, William Ruto; da Nigéria, Bola Tinubu; de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi; e da Líbia, Mohamed al-Menfi. O presidente embarcou no início da noite (hora local) de volta ao Brasil.

Críticas à ajuda humanitária

As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra em Gaza provocaram reações aqui no Brasil, assim como a decisão do governo de manter as contribuições à Agência para Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), em um momento em que outros países decidiram cortar verbas destinadas às atividades da organização, acusada por Israel de colaborar com o grupo terrorista Hamas.

Em janeiro, oito países — Austrália, Reino Unido, Canadá, Itália, Suíça, Holanda, Alemanha e Finlândia — se juntaram aos Estados Unidos na suspensão temporária do financiamento à entidade, que coordena a ajuda humanitária mundial ao enclave palestino.

“Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças. Se houve algum erro nessa instituição que recolhe o dinheiro, apura-se quem errou. Mas não suspenda a ajuda humanitária para o povo que está há quantas décadas tentando construir o seu estado”, disse Lula, em Adis Abeba.

O presidente da Federação Israelita do Brasil, Marcos Knobel, criticou as doações brasileiras. “O presidente vai aumentar o pagamento a uma agência da ONU acusada de apoiar um grupo terrorista, quanto os países ocidentais e democráticos param de pagar. O Brasil vai na contramão, com ditaduras. O comportamento da diplomacia brasileira é lamentável na questão desse conflito”, afirmou.

O senador Ciro Nogueira (PP -PI) classificou a conduta do governo como “lamentável”. “O que esse governo está fazendo é instituindo a bolsa atentado. Não cansam de envergonhar a nossa diplomacia no momento em que todos os países decentes do mundo estão indo pelo caminho inverso, cortando o financiamento para essa agência. O presidente Lula vai na contramão do mundo civilizado”, criticou.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, deputado Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), também classificou as falas de Lula como “inadequada”. “Independentemente da consequência diplomática, isso obviamente vai depender do posicionamento da embaixada, do próprio embaixador de reafirmar ou não essas posições do presidente, fato é que uma declaração que se mostrou inadequada. Mais uma”, declarou. “Esperamos que no próximo pronunciamento ele Lula conserte esse equívoco”, emendou.

Os ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e Povos Indígenas, Sônia Guajajara, foram às redes sociais defender Lula depois da má repercussão da fala do petista. “Todo meu apoio às preocupações do presidente Lula em relação ao conflito que vem cruelmente atingindo civis na Faixa de Gaza, vítimas do governo de extrema-direita de Israel”, escreveu Teixeira em seu perfil no X.

“Já são mais de 20 mil mortos palestinos através de ataques promovidos por Israel. Que esse posicionamento incentive outros países a condenarem a desumanidade que estamos vendo dia após dia”, postou Guajajara, na mesma rede social.

O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus” Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

Jornais isreaelenses repercutem declarações

A afirmação do presidente Luiz Lula da Silva de que a morte de milhares de palestinos em Gaza pode ser comparável ao Holocausto provocou severas críticas da imprensa israelense, que destacou a reação do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. Os principais jornais e sites noticiosos do país destacaram as palavras de Lula em tom de perplexidade, com adjetivos como “vergonhosas”, “banais” e “ignorantes”.

O The Jerusalem Post, um dos veículos mais tradicionais de Israel, publicou, em página inteira, reportagem sobre o assunto, ressaltando que Lula comparou as mortes em Gaza a “massacre” e “genocídio”. O jornal informou que Lula esteve no Egito — um dos principais negociadores no conflito —, onde se reuniu com o presidente Abdel Fattah el-Sisi. Já o jornal Haaretz, que mantém uma linha editorial crítica à guerra, destacou a reação de Netanyahu a Lula ao convocar o embaixador brasileiro. Para o primeiro-ministro, ao fazer a comparação, o presidente “ultrapassou a linha vermelha”.

O jornal destacou também a reação do presidente do Yad Vashem — memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto —, Dani Dayan. “É uma combinação ultrajante de ódio e ignorância”, disse. “É triste que o presidente do Brasil tenha descido a tal nível de distorção extrema do holocausto.”

As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e alarmantes. Essa é uma banalização do Holocausto e uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender” Israel Katz, chanceler de Israel

Genocídio

Na semana passada, a África do Sul apresentou acusação formal contra Israel por crime de genocídio contra o povo palestino na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia. Embora o pedido de cessar-fogo imediato não tenha sido acatado, o principal órgão judicial das Nações Unidas exigiu que Israel proteja os civis em Gaza.

 

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