Para o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, somente com planejamento governamental se combaterá, eficientemente, os extremos climáticos. Em entrevista à edição de ontem do CB.Poder — programa realizado em parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília —, foi enfático ao afirmar que a humanidade fomenta a crise ambiental sempre que não há preparação do Estado para enfrentá-la. Isso, por sinal, é o foco do TCU ao presidir a Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), que trabalha junto às Nações Unidas e discute medidas para combater as mudanças climáticas. Na conversa com os jornalistas Denise Rothenburg e Carlos Alexandre de Souza, Dantas comentou a respeito da transparência nos repasses dos recursos da União, emendas ao Orçamento e assédio sexual e moral contra as mulheres no ambiente de trabalho. Leia a entrevista a seguir.
Como funciona a auditoria internacional para o clima do TCU?
Para aqueles que eram negacionistas das mudanças climáticas, agora vivemos um drama humano que não permite mais que essas pessoas neguem que a atuação do homem conduziu a esse caos climático. Somente medidas muito intensas e muito rápidas nos permitirão um alívio para as próximas gerações. O mundo vive um momento de extremos climáticos — ou seja, aquilo que era extremo agora é normal. Então, precisamos de políticas públicas dedicadas a esse novo normal. E o papel do TCU também é de fiscalizar a eficiência das políticas públicas. Por isso, preside uma auditoria global — que conta com 195 países que estão dispostos a discutir medidas para combater as mudanças climáticas — chamada Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai, em inglês) junto à ONU. Desenvolvemos uma metodologia que chamamos de Scanner do Clima, estruturada em três grande eixos: políticas públicas, financiamento e governança. Tem a função de entender as estruturas, os planos e os investimentos da questão climática em cada país.
Qual é o resultado até agora?
A primeira parte foi a definição da metodologia que vamos trabalhar. Em uma reunião com 18 países, como Estados Unidos, México e Emirados Árabes Unidos, conseguimos pensar de que maneira avançar no combate às mudanças climáticas. A partir daí, fizemos workshops, oficinas de aprendizagem e treinamento para auditores em diversos países que já aderiram ao Scanner. Dos 195 países-membros da Intosai, quase 140 aderiram formalmente e têm auditores formados, que vão colher os dados dos seus governos mediante essa técnica que estruturamos para alimentar o Scanner do Clima.
Como a Intosai fará para que países como China, Índia e EUA, que são grandes poluidores, diminuam as emissões de gases?
O Scanner do Clima é uma ferramenta de transparência. Permite que o cidadão veja o que o governo está fazendo para diminuir as mudanças climáticas. Apostamos muito na participação popular — ou seja, a sociedade de cada país vai cobrar as melhorias. O que queremos é adotar a cidadania de cada um desses países como instrumentos para cobrar os governos.
Sobre os eventos climáticos extremos, como o senhor avalia a eficiência dos gastos emergenciais em tragédias ambientais? Não seria melhor falar em prevenção do que em emergência?
No passado, podia-se falar sobre emergências climáticas — hoje são normais. Se não há planejamento para lidar com isso, o que fazemos é fabricar a emergência. Precisamos de planejamento de Estado para eventos extremos, para evitar que participemos das emergências. Por exemplo: no Rio Grande do Sul, o Brasil vai gastar, talvez, metade do que gastamos em um ano de pandemia — estamos falando de R$ 500 bilhões. Será que não deveríamos ter feito um planejamento adequado para tentar frear os alagamentos excessivos?
Em relação ao Orçamento da União para 2025, como o senhor vê esse planejamento, que está bem apertado?
É um desafio permanente no Brasil. Costumo dizer que quem decidiu o programa que vai ser executado durante quatro anos foi o eleitor. Quando o eleitor escolhe o programa, cabe às instituições se adequarem e fazerem o melhor para que seja desempenhado da maneira mais eficiente possível. O papel do TCU não é dizer que o governo deve eliminar essa ou aquela política. Deve dizer que aquelas políticas públicas que foram legitimadas pelo voto devem ser eficientes, ao enxugar os desperdícios ou reformular as propostas para caber no Orçamento. Além disso, acredito que é preciso uma revisão periódica das políticas públicas, porque não é possível instituir uma política pública e achar que produzirá os mesmos resultados ao longo de 30 anos. Recentemente, o TCU fez uma pesquisa que mostrou que o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) apresentam desperdícios, falta de definição de metas e de monitoramento. É esse tipo de ineficiência que o TCU busca suprir. Claro que é preciso que as contas públicas estejam equilibradas. Achar que o endividamento é uma solução é um erro. Pode funcionar para fazer um investimento muito pontual, mas não dá para gastar mais do que se arrecada.
O governo está sendo eficiente em relação aos cortes de gastos?
Acho que tem um esforço nessa direção. Mas ainda não é possível fazer uma avaliação sobre a eficiência em relação a esses cortes.
Sobre a crise da transparência das emendas parlamentares, como o tribunal a avalia?
É importante que se diga que o TCU foi o primeiro a apontar os problemas de transparência nas emendas de relator, que, depois, a imprensa apelidou de Orçamento Secreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de exigir transparência prestigia a Constituição. Quem fala sobre os princípios da administração pública — que são legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — é o Artigo 37 da Constituição. O Supremo nada mais fez do que prestigiar a Constituição. Claro que quando falamos de Orçamento, é um erro achar que só há problemas na parte administrada pelo Congresso. Sempre bato na tecla de que o Orçamento administrado pelo próprio governo federal tinha problema nas transferências fundo a fundo, que são recursos de alocação discricionária — aquelas feitas entre entes públicos. Essas transferências de fundo para fundo sempre foram polêmicas porque impedem a fiscalização dos órgãos de controle federais. Depois que o dinheiro caía na conta, não tinha como saber mais qual foi a origem.
Para as transferências fundo a fundo, há alguma solução?
Sim. O ministro Flávio Dino acatou o pedido do TCU de determinar a criação de contas específicas para as transferências fundo a fundo. Da mesma maneira, as "emendas Pix" também vão ter mais transparência com uma conta específica para cada transferência. É a partir da decisão do Supremo que vão poder ser rastreadas da origem ao destino.
Um assunto que o TCU tem se empenhado muito é sobre o assédio no ambiente de trabalho. Como está a questão?
O TCU tem nome de Tribunal de Contas, mas é um tribunal que zela, sobretudo, pela eficiência da administração pública da União. Uma das nossas diretrizes principais é a de profissionalizar e induzir boas práticas na administração pública. Uma das maiores razões que impedem que as mulheres ocupem funções de destaque nas empresas e nos órgãos públicos é o assédio, seja sexual ou moral, que inibem a vontade delas de progredir. Dentro do TCU, criamos diretrizes e políticas de combate ao assédio, porque não existe melhor forma de combater um problema crônico do que falando a respeito e aprendendo.
.FONTE : Correio Braziliense DF