O enfrentamento entre a esquerda e a direita se dá em frentes distintas no Congresso. No Conselho de Ética da Câmara, mesmo após um acordo para arquivamento de casos de quebra de decoro parlamentar, PT e PSol de um lado e o PL, do outro, seguem duelando. Num movimento inédito desde a criação do colegiado, em 2001, deputados tentam desarquivar no plenário da Casa casos já encerrados naquele colegiado.
Cinco parlamentares que foram alvos de ações no conselho tiveram a denúncia arquivada, considerada improcedente. Quatro delas, na verdade, nem andaram e as representações foram entendidas como ineptas e tiveram a admissibilidade rejeitada — por placares elásticos até. Ainda assim, por divergência política e ideológica, os adversários tentam ressuscitar essas representações.
São acusações sem gravidade e que possam levar à medida extrema, como a cassação do mandato. Nessas quatro, há deputado bolsonarista acionado no conselho por tumultuar uma audiência pública sobre a situação na Faixa de Gaza; petista respondendo por acusar uma opositora de "terrorista"; e outro aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro que ameaçou "dar um soco" num colega do PSol.
O quinto e mais grave caso, que pode ser reaberto pelo plenário da Câmara, é a ação contra André Janones (Avante-MG), acusado de promover rachadinha no gabinete na Câmara, que é a prática de o titular do mandato pedir de volta parte do salário de um funcionário. No conselho, essa denúncia foi arquivada por 12 x 5, e o relator foi Guilherme Boulos (PSol-SP). Para salvar Janones, o candidato a prefeito de São Paulo — e que hoje é alvo de críticas na campanha por ter acobertado um suposto caso de corrupção — argumentou que o fato ocorreu quando o parlamentar mineiro não estava no atual mandato.
A possibilidade de recorrer ao plenário da Câmara e reabrir um caso arquivado por inépcia no conselho, que teve a admissibilidade rejeitada, é assegurada por um artigo do regimento interno da Casa, mas o recurso tem que ter o apoio de um décimo dos deputados — pelo menos 51 parlamentares. No caso de Janones, a iniciativa foi da deputada Bia Kicis (PL-DF), que colheu 61 adesões de outros bolsonaristas.
Esse recurso contra Janones, e os outros quatro, estão parados na mesa da Câmara, no aguardo de decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder de pautar para decisão do plenário. Para a ação ser reaberta no conselho, o recurso precisa da maioria simples dos deputados presentes à votação.
O deputado Abílio Brunini (PL-MT) respondeu por quebra de decoro no conselho por ter tumultuado uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara que debatia a crise humanitária na Faixa de Gaza. O caso não avançou e foi arquivado por 12 x 3. Mas foi aprovada uma censura verbal ao bolsonarista. Insatisfeita com a punição branda, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), quer reabrir o caso e obteve adesão de 57 petistas e psolistas. A esquerda quer a cassação de Brunini.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) foi outro alvo dos aliados de Bolsonaro. O petista, durante uma discussão no plenário, referiu-se a Carla Zambelli (PL-SP) como "terrorista". O PL o levou ao conselho, que arquivou o caso por 11 x 2. Também inconformado, o PL, provocado pelo deputado General Girão (RN), colheu assinaturas e recorre ao plenário.
"Utilizar-se da Câmara para disparar ofensas caluniosas contra uma representante do povo, sobretudo sob o termo de terrorista, é conduta que merece reprovação, o que se justifica a cassação do mandato do representado", defende o PL contra Lindbergh.
Girão, que entrou com recurso contra o petista, também foi alvo da esquerda, que quer vê-lo de novo representado no conselho. Dessa vez, o partido autor da ação foi o PSol. o deputado, em uma discussão na Comissão de Relações Exteriores, ameaçou "dar um soco" em Glauber Braga (PSol-RJ). O caso foi arquivado por 12 x 2, mas quem entrou com recurso para reabrir a ação foi novamente Gleisi.
"A extrema direita, de forma rotineira e recorrente, tem utilizado a violência, o machismo e as ameaças em suas intervenções na Câmara. Dessa forma, havendo o representado agido ilegal e abusivamente, e de modo incompatível ao decoro parlamentar, impõe punição ao representado", propõe o PT na sua peça. A punição desejada é a cassação de Girão.
O quinto caso levado à Lira envolve Sâmia Bonfim (PSol-SP), acusada de ofender deputados bolsonaristas na CPI do MST, em 2023 e que nem teve um relatório final aprovado. Numa das reuniões, ela disse que o ex-ministro e deputado Ricardo Salles (PL-SP) defendia, ali, os interesses do agronegócio e que assim atuava para prestar contas "ao dinheirão" que recebeu de financiadores de campanha. Por 12 x 2 a ação contra Sâmia não foi acolhida. Girão, então, recorreu, após obter as assinaturas suficientes de seu grupo político.