A trágica morte de Graciane Rosa de Oliveira, 35 anos, do marido dela, Luiz Evaldo, 28, e do bebê Léo, recém-nascido, acendeu o sinal de alerta de autoridades e especialistas sobre cuidados e prevenção contra incêndios. É que os investigadores, além da suspeita ainda sob análise de vazamento do encanamento do gás de cozinha, agora, também analisam o material utilizado para impermeabilizar o sofá, móvel do lar que estava recebendo manutenção no momento que as chamas começaram. Ambos são riscos presentes em qualquer casa ou apartamento, deixando as famílias vulneráveis a tragédias como a de Valparaíso, em Goiás. A jovem família será sepultada hoje, ainda sob forte comoção e perguntas sem respostas.
O uso de impermeabilizantes em objetos como sofás esconde um alto perigo, que vai desde os erros na aplicação até os compostos químicos da substância, alertam os especialistas. Serviços como esses são bastante procurados, como foi o caso de Graciane e Luiz. Na manhã de terça-feira, por volta das 9h40, o casal recebeu Renan Lima Vieira, aplicador do produto. O trabalhador autônomo se apresentou na portaria do condomínio e subiu ao apartamento da família, no sétimo andar, com os produtos em mãos.
O síndico do residencial Parque das Árvores, Anderson Rodrigues, contou, em coletiva de imprensa promovida ontem, que, minutos após a chegada de Renan ao apartamento, ouviu-se uma explosão. Logo depois, as chamas se propagaram por todo o imóvel, em questão de segundos. Além de Graciane, Luiz e o bebê, estavam na unidade a mãe dela, Maria das Graças, e Renan. A senhora e o funcionário conseguiram escapar com vida e estão internados no Centro de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) em estado grave.
O apartamento tem três quartos e seguia o modelo "americano" — cozinha integrada com a sala. Os peritos da Polícia Técnica Científica de Goiás confirmaram que o fogo começou nesse ambiente e se espalhou rapidamente para os outros cômodos.
A informação inicial de que o casal pulou com o filho e o cachorro deve ser descartada. A forma como os corpos foram encontrados no chão pode indicar que a família tenha sofrido uma queda acidental. O perito criminal Fernando Lerbach, da Polícia Técnica Científica de Goiás, explica. "O que analisamos em casos de suicídio, homicídio ou queda acidental é o posicionamento das vítimas. Nesse caso, elas estavam próximas à janela do prédio, o que pode indicar uma queda acidental", informou.
O síndico deu mais detalhes. Segundo ele, o bebê estava no colo da mãe e teria escorregado. Na tentativa de resgatá-lo, a mulher se apoiou para puxá-lo. Nisso, Luiz, pai da criança, se agarrou à esposa para auxiliar no socorro, momento em que os três teriam despencado do sétimo andar. Contudo, a confirmação sobre a queda acidental depende de laudos periciais, que têm o prazo de, no mínimo, 10 dias para serem concluído.
O laudo pericial também vai determinar o que provocou o incêndio. Apesar da constatação, por parte dos bombeiros, de fissuras no encanamento, os peritos acreditam, preliminarmente, que não houve vazamento de gás no apartamento do casal. "Identificamos que houve, sim, uma explosão, mas ainda não é possível saber a causa. Quando se tem um vazamento de gás interno, é possível ver marcas na parede. Não havia indícios, mas também não há como descartar", pontuou Lerbach.
A polícia vai começar a ouvir todas as testemunhas e a analisar as imagens das câmeras de segurança. As filmagens são cruciais para entender a dinâmica do acidente. "Estamos diligenciando para começar a colher os depoimentos, mas temos que proceder com cautela. Ainda é cedo para qualquer conclusão", afirmou o delegado Van Kuyk, da 1ª Delegacia de Valparaíso.
Caso se confirme que o incêndio tenha sido provocado em razão da aplicação do impermeabilizante e, se constatado o uso indevido da substância, a investigação pode tomar outro rumo. "Se for comprovado que houve imprudência e desrespeito à norma técnica, o responsável pode responder por homicídio culposo, quando não há intenção de matar."
Após o incidente e a suspeita levantada sobre o uso do impermeabilizante ter sido o causador do incêndio, o síndico estabeleceu uma nova regra no condomínio e proibiu o acesso de qualquer prestador de serviço para o trabalho de impermeabilização de sofás em apartamentos. "Não estamos procurando o culpado. Estamos querendo saber o que aconteceu."
Anderson disse que o sistema de segurança do condomínio é de excelência e ressaltou que, recentemente, todos os equipamentos de combate a incêndio foram trocados e a encanação de gás está em dias.
O empresário Cesar Castro, dono de empresa que faz o serviço de impermeabilização em Brasília, explica que, se o produto usado não for adequado para ambiente doméstico, os riscos são altos. Segundo ele, há entre uns cinco produtos químicos impermeabilizantes disponíveis no mercado nacional, mas nem todos são adequados para aplicação dentro de apartamentos e casas.
"A impermeabilização de estofados é muito procurada, porque ela mantém o tecido limpo por mais tempo, ajuda nesse processo", detalha o empresário. "Mas existem produtos feitos para uso industrial. O sofá já sai de dentro da fábrica impermeabilizado, com proteção feita em local adequado. Esses produtos são para isso. Não são para fazer aplicação na casa dos clientes", acrescenta.
Cesar explica que os materiais usados na indústria são inflamáveis e exigem cuidados e equipamentos específicos para o manuseio, além de um local adequado. É o caso daqueles usados nas fábricas de confecção de sofás. Para o uso em ambientes domésticos, existem produtos à base d'água ou não inflamáveis que podem ser usados com segurança, segundo ele. Além do produto adequado, outros cuidados são fundamentais: equipamento (o tambor deve ser de inox e não de plástico) e qualificação do profissional.
O Bloco E, que estava interditado, tem 88 apartamentos. Desses, 66 já estão liberados e 22 seguem com acesso restrito. A maioria das famílias desabrigadas foram para casa de parentes, mas seis estão hospedadas em um hotel do município.
De cabeça baixa, moradores que entravam e saiam do local não conseguiam disfarçar o semblante de tristeza. Duas mulheres abordadas pelo Correio, uma delas segurando um bebê de quatro meses, relataram, aos prantos, que a emoção não as permitiria falar e, por isso, preferiram não conceder entrevista. Quem aceitou conversar, porém, teve de fazer um esforço grande para se comunicar em meio às lágrimas.
A corretora Maria dos Aflitos Portugal de Carvalho, 70, é moradora do 1° andar do bloco E, onde a tragédia ocorreu. Abalada, contou que conhecia a família e que costumava encontrar Graciane com o bebê no colo. Infelizmente, Maria presenciou o momento da tragédia. "É como se a cena se repetisse a todo momento. Eu fiquei desesperada na hora, foi muito difícil. A lembrança do momento mexe muito com o nosso emocional, e isso vai demorar passar", desabafou.
Para além da tristeza da perda dos vizinhos, o trauma e a sensação de insegurança têm feito com que moradores cogitem, inclusive, mudar-se de seus apartamentos. A cabeleireira Jane Dias, 46, chegou no local minutos depois do início das chamas. À reportagem, a moradora do condomínio relatou que mora de aluguel e que, agora, não tem interesse em permanecer no local. "Nós estamos com medo porque ainda não se sabe a causa, o que, de fato, ocorreu dentro do apartamento. Então a gente fica receosa, com certeza", admitiu.
Os corpos de Graciane, Luiz e do filho do casal serão velados hoje, a partir das 9h. Para arcar com as despesas do funeral do recém-nascido, que ainda não integrava o plano funerário, amigos e familiares organizaram uma "vaquinha" on-line. O dinheiro também será utilizado para ajudar a avó materna, que perdeu todos os seus bens em decorrência do incêndio.
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Maria de Carvalho, 70, conhecia a família. "Vai demorar a passar" Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
28/08/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Valparaiso- GO, caso do incêndio em um apartamento que deixo três vítimas fatais no Condomínio Parque das Árvores.. Tatiane Barreto Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
A cabeleireira Jane Dias, 46, não tem interesse em ficar no local Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Alguns moradores foram realocados temporariamente Foto: Material cedido ao Correio Braziliense
Além do casal e do recém-nascido mortos, incêndio em apartamento do condomínio deixou duas pessoas em estado grave Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Peritos não têm um laudo conclusivo sobre o que causou a explosão... Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Graciane e Luiz xxx Foto: Redes sociais