A audiência no Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela foi marcada, nesta quarta-feira, pela ausência de Edmundo González Urrutia, intimado pelo órgão a prestar esclarecimentos sobre o fato de ter se proclamado presidente eleito do país. O candidato da aliança opositora Plataforma Unitária Democrática divulgou um documento no qual denunciou o descumprimento “flagrante” das atribuições constitucionais e legais do Poder Eleitoral, ao não totalizar e apresentar as atas das eleições de 28 de julho, e justificou o boicote à convocação. “Se compareço à Sala Eleitoral nessas condições, estarei em absoluta vulnerabilidade por desamparo e violação do devido processo, e colocarei em risco não apenas minha liberdade, mas, o que é mais importante, a vontade do povo, expressada em 28 de julho”, explicou.
Edmundo lembrou que a Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça não pode “usurpar as funções” do Poder Eleitoral e certificar resultados que não foram produzidos de acordo com a Constituição e com as leis. “O cidadão Nicolás Maduro Moros, que interpôs um suposto recurso ante a Sala Eleitoral, disse publicamente, em 2 de agosto, que, caso eu não compareça (à audiência), incorrerei em responsabilidades legais e que, se compareço e registro cópia das atas de votação, também haverá graves responsabilidades penais. É um procedimento imparcial e respeitoso do devido processo? Estou condenado por participação?”
No comunicado, em que não assina como presidente eleito, Edmundo González insta as autoridades a recuperarem a “sensatez” e “a buscarem canais de diálogo franco, que canalizem as abordagens de cada parte, na instância competente sob o ponto de vista constitucional, e em um marco aceitável para todos”. Ontem, o presidente do Chile, Gabriel Boric, assegurou que houve tentativa de fraude na Venezuela. “Não tenho dúvidas de que o regime de Maduro tentou cometer uma fraude. Se não, teriam mostrado as famosas atas. Por que não o fizeram? Se tivessem vencido, claramente teriam mostrado as atas”, declarou.
Em entrevista ao Correio, Corina Yoris — professora universitária e filósofa escolhida por María Corina como candidata e impedida de disputar as eleições de 28 de julho — disse que Edmundo González se destaca por uma grande contenção e domínio das situações. “Ele deixou muito claro que o comparecimento ao Supremo Tribunal de Justiça seria cair em uma armadilha. Além de explicar suas razões, ele instou o regime de Maduro a abrir um diálogo, a fim de estabelecer, com clareza, o ganhador das eleições”, afirmou. “Não há dúvida nenhuma de que Edmundo González ganhou o pleito. Não se pode negociar a vontade do povo venezuelano, expressada em 28 de julho. O artigo 5 da Constituição venezuelana determina que a soberania reside no povo, de modo indireto, por meio do voto.”
Mais pressão
Yoris pediu uma maior pressão diplomática, por parte da América Latina e da comunidade internacional. “Mas o problema para a América Latina será terrível, caso a crise não seja solucionada. Haverá uma nova onda migratória, que afetará imensamente os países vizinhos”, advertiu a professora. Ela reforçou que Edmundo González venceu as eleições com uma diferença “extraordinária e jamais vista” de votos. “Foram cerca de 40 pontos percentuais de vantagem em relação a Maduro”, afirmou.
Professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela, José Vicente Carrasquero Aumaitre classificou como “corajosa” a posição de Boric. “Se não existisse uma fraude, as atas teriam sido publicadas. As urnas eletrônicas produzem as atas, que totalizam os votos, mesa por mesa. Se não temos as atas, como o regime apresentou resultados?”, questionou, por telefone. Segundo o estudioso, ante a “mentira” do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a comunidade internacional deve exigir a recontagem de todos os votos. “O problema é que Maduro teve tempo suficiente para adulterar os resultados.”
Aumaitre alerta sobre o risco de Maduro tentar sobrepor o Tribunal Supremo de Justiça ao CNE. “Edmundo González denunciou que o processo eleitoral de 28 de julho não foi devidamente concluído. Com a não publicação das atas eleitorais, não se seguiram os procedimentos de rigor”, explicou.
Dirigente filma a própria prisão
Assim que chegou em casa, na noite de terça-feira, María Andreina Oropeza, líder de campanha de María Corina Machado e de Edmundo González no departamento (estado) de Portuguesa, começou a transmitir o vídeo, ao vivo, por meio de seu perfil no Instagram. A dirigente política do partido Vente Venezuela foi surpreendida por seis agentes do regime de Nicolás Maduro — incluindo três da Direção de Inteligência Geral Militar (Digecim) e dois do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) — e por policiais encapuzados sobre motos. Os homens invadiram a casa, mesmo depois de Oropeza exigir acesso a uma ordem judicial. “Ela mesma gravou o vídeo e me pediu que o compartilhasse.”
Francisco “Titi” Mora, fundador e secretário político do Vente Venezuela, afirmou ao Correio que a detenção de Oropeza consternou a opinião pública de Portuguesa e de todo o país. “Foi um sequestro contra a nossa dirigente política. Oropeza foi atacada em sua casa. Sem ordem judicial, em violação à Constituição e à ordem legal, a levaram. Nós percorremos todas as instituições do corpo repressivo do Estado. Não conseguimos nenhuma informação sobre ela”, relatou. “O único delito de Oropeza foi buscar a liberdade da Venezuela, um país onde pudéssemos ser livres para escolher, decidir, empreender, estudar e trabalhar.”
Segundo ele, a dirigente foi nomeada diretora de campanha da ex-deputada María Corina Machado, em 2022. “Oropeza chegou como a chefe de campanha mais jovem do país e fez um trabalho impecável, ao conseguir a vitória de María Corina nas primárias, com mais de 97% dos votos em Portuguesa. Depois, assumiu a campanha de Edmundo González. Temos visto com temor o fato de porta-vozes do regime de Maduro qualificarem o Vente Venezuela como uma organização política terrorista”, disse Mora, a partir de Guanare, capital de Portuguesa. “A única coisa que fizemos foi levar às pessoas uma mensagem de mudança, de esperança e de democracia. Isso se refletiu nos resultados eleitorais.” (RC)
“Se compareço à Sala Eleitoral (...), estarei em absoluta vulnerabilidade por desamparo e violação do devido processo, e colocarei em risco não apenas minha liberdade, mas (...) a vontade do povo venezuelano” — Edmundo González, candidato autodeclarado presidente eleito