A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Rabbit, para inves tigar a prática ilegal de Front Running, que consiste no uso de informações privilegiadas para obter ganhos no mercado financeiro. Foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão na cidade do Rio de Janei ro, dois deles na Freguesia e outros dois na Tijuca, ambos bairros da zona norte da capital fluminense.
Ao Correio, a Comissão de Valo res Mobiliários (CVM) afirmou que o processo envolve fundos geridos pela BB Gestão de Recursos, Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DT VM). De acordo com as investigações, um funcionário da distribuidora, geri da pelo Banco do Brasil, responsável por intermediar a compra e venda de títulos, era quem repassava as infor mações sigilosas.
O grupo, que agia no mercado de ações da a B3, Bolsa de Valores de São Paulo, alcançava taxa de êxito superior a 94% nas operações de day trade (com pra e venda de ativos no mesmo dia).
As informações antecipadas, de acordo com a comissão, influencia vam na formação dos preços de ope rações. “A CVM informa que o Proces so Administrativo Sancionador (PAS) nº 19957.008087/2021-25, oriundo de Inquérito Administrativo de mesmo nú mero, foi instaurado com vistas a apurar possível prática não equitativa em negó cios com valores mobiliários na B3, ten do como contraparte fundos de investi mento geridos pela BB Gestão de Recur sos DTVM S.A., entre janeiro de 2016 e junho de 2020”, informou em nota.
A Justiça determinou o sequestro de bens e valores de mais de R$ 5 milhões, quantia arrecadada pelo grupo investi gado, e o afastamento do funcionário da distribuidora envolvido no esquema ilí cito. “Tal fato é capaz de influenciar no preço de mercado de um ativo e, assim, gerar lucro, configurando, assim, um conflito de interesses por meio do uso de informação privilegiada”, informou a PF, em nota.
Procurada pelo Correio, a BB Asset Management reforçou seu comprome timento com “processos robustos de monitoramento, gestão de riscos e go vernança”. “Adotamos todas as provi dências no nosso âmbito de atuação e estamos atuando junto às autoridades em colaboração com as investigações”, afirmou a empresa, que lidera o merca do com R$ 1,6 trilhão em fundos de in vestimento sob sua gestão.
Confiança abalada
De acordo com o advogado crimina lista Rafael Valentini, antes de concluir a compra de ações instruídas pelo clien te, o próprio corretor ou intermediário pode comprá-las. “Sabendo de antemão que, após concluir a ordem solicitada pelo cliente, ele mesmo irá se beneficiar pessoalmente em razão da operação que fez anteriormente”, explicou.
Valentini destacou ainda que a prá tica acaba abalando e colocando em xeque a confiança que os investidores depositam no mercado de capitais. “A integridade e lisura do mercado é im prescindível para um ambiente de ne gócios seguro. Ainda no caso específi co do front running, a prática fere um princípio fundamental na relação en tre cliente e corretor ou intermediário, que é o da necessidade de os interesses do cliente sempre serem privilegiados em relação aos próprios interesses pes soais”, afirmou.
Outra prática similar e mais conhecida é o insider trading, que tam bém usa de informações privilegiadas para comprar ou vender ações de uma empresa a fim de obter ganhos. “Não há notícia, ao menos no histórico recen te do país, de casos rumorosos de front running. Já o insider trading, ao contrá rio, foi objeto de investigação em casos famosos envolvendo empresários brasi leiros de conhecimento público”, contou o advogado.
Todas as ordens judiciais citadas fo ram expedidas pela 3ª Vara Federal Cri minal da Seção Judiciária do Rio de Ja neiro. De acordo com a PF, os investiga dos poderão responder pelos crimes de “Front Running”, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Se somadas, as penas máximas para o caso superam os 20 anos de reclusão, além de também envolver multa e ressarcimento dos va lores obtidos ilegalmente.
A CVM, autarquia vinculada ao Mi nistério da Fazenda, responsável por fis calizar o mercado financeiro, salientou que a operação tomou por base o traba lho de investigação do órgão. “A CVM in forma que mantém com o Departamen to de Polícia Federal (DPF), desde 2010, um Acordo de Cooperação Técnica vol tado ao desenvolvimento de ações, pro jetos ou atividades conjuntas, inclusive, no âmbito do compartilhamento de in formações a respeito de assuntos de in teresse comum”, destacou.