Com a mediação da Turquia, a Rússia e o Ocidente concretizaram, ontem, um acordo diplomático histórico de troca de prisioneiros, um dos maiores desde a Guerra Fria. Realizada em um momento delicado das relações, em decorrência da invasão contra a Ucrânia, a negociação possibilitou a libertação de 26 presos de sete países — Estados Unidos, Alemanha, Polônia, Eslovênia, Noruega, Rússia e Bielorrússia.
No total, 10 russos, incluindo dois menores, foram trocados por 16 ocidentais e russos detidos na Rússia, informou o governo do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em um comunicado. Entre os libertados por Moscou estão o repórter do jornal norte-americano The Wall Street Journal Evan Gershkovich e o britânico Paul Whelan, ex-fuzileiro naval dos EUA.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, classificou o acordo como uma “conquista diplomática”. “Algumas dessas mulheres e homens ficaram presos injustamente durante anos. Todos suportaram um sofrimento e uma incerteza inimagináveis. Hoje (ontem), a agonia terminou”, disse Biden em um comunicado.
O Kremlin, por sua vez, expressou seu “agradecimento aos líderes de todos os países que ajudaram a preparar o intercâmbio”, sem mencionar nomes. Segundo Moscou, o presidente russo, Vladimir Putin, concedeu indulto aos prisioneiros liberados no âmbito do acordo, que levou semanas para ser alcançado, de acordo com os serviços de inteligência turcos.
Pouco depois do anúncio da soltura dos presos, Biden foi questionado por jornalistas se estaria disposto a falar diretamente com o presidente russo após a troca. “Não necessito conversar com Putin”, respondeu o democrata, que agradeceu Erdogan por sua atuação. O presidente americano recebeu familiares dos prisioneiros libertados na Casa Branca.
Entre os libertados que retornaram à Rússia está Vadim Karsikov, encarcerado na Alemanha pelo assassinato de um ex-líder separatista checheno. O governo de Olaf Scholz admitiu que aceitar liberar Karsikov não foi uma “decisão fácil”.
Também desembarcou em Moscou, graças ao acordo, o repórter espanhol de origem russa Pablo González, que estava detido na Polônia há mais de dois anos por suspeita de espionagem. O jornalista, nascido na Rússia, trabalhava para o jornal on-line Público e para a emissora de televisão La Sexta. Ele estava preso desde 28 de fevereiro de 2022, quatro dias após o início da invasão russa.
De outro lado, o acordo beneficiou os opositores russos Ilia Yashin e Vladimir Kara-Murza, encarcerados por criticar a invasão à Ucrânia. Yashin seguiu para Berlim com outras 11 pessoas, entre elas, Rico Krieger, um alemão condenado à morte na Bielorrússia por acusações de espionagem.
O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, expressou “alívio” com a troca de prisioneiros. Por sua vez, a ONG Anistia Internacional destacou que o pacto é um sinal de que Putin “está, claramente, instrumentalizando a lei para usar prisioneiros políticos como peões”.
As prisões de americanos na Rússia aumentaram nos últimos anos. Com essa tática, o Kremlin busca, na avaliação de Washington, obter a libertação de russos condenados no exterior.
“A política contínua do governo russo de fazer reféns é revoltante”, observou, em nota, a ONG Repórteres sem Fronteiras, ao comentar a libertação do jornalista Evan Gershkovich, do The Wall Street Journal. Gershkovich, 32 anos, foi detido no fim de março de 2023 enquanto trabalhava em Ecaterimburgo, nos Urais.
No mês passado, ele foi condenado a 16 anos de prisão por acusações de espionagem, em um rápido julgamento criticado pelos Estados Unidos. Tanto o repórter quanto seus familiares e o governo Biden afirmam que as acusações russas não tinham fundamento. “Os jornalistas não são espiões e nunca devem ser alvos de ataques com fins políticos”, assinalou o Repórteres sem Fronteiras, no comunicado.
Washington também trabalhou nos bastidores para libertar o ex-fuzileiro naval Paul Whelan, 54 anos, de nacionalidades britânica, irlandesa e canadense. Como Gershkovich, ele foi preso por espionagem.
Segundo o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, também havia sido planejada uma negociação para tentar libertar o opositor russo Alexei Navalny, mas ele “infelizmente morreu” em fevereiro passado na prisão.
As especulações sobre a iminência de um acordo ganharam força no fim do mês passado, depois que vários detentos na Rússia foram transferidos dos locais onde cumpriam prisão, um fato incomum.
Foi a primeira permuta de prisioneiros entre Moscou e o Ocidente desde a libertação, em dezembro de 2022, da jogadora de basquete americana Brittney Griner, detida na Rússia por um caso de drogas. Ela retornou aos Estados Unidos em troca do famoso traficante de armas russo Viktor Bout.
Em 2010, 14 espiões foram libertados, incluindo a russa Anna Chapman, condenada nos Estados Unidos, e Sergei Skripal, um agente duplo que estava preso na Rússia. Acordos de troca de prisioneiros de grande magnitude não ocorriam desde 1985 e 1986, último período da Guerra Fria.
“Todos suportaram um sofrimento e uma incerteza inimagináveis. Hoje (ontem), a agonia terminou” - Joe Biden, presidente dos EUA