Sob forte cobrança internacional, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, prometeu, ontem, apresentar “100% dos documentos” relativos às sessões eleitorais do pleito de domingo passado. Apesar de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão alinhado ao governo, ter anunciado a vitória de Maduro para mais um mandato de seis anos, nenhuma ata de votação foi divulgada. A oposição denuncia “uma escalada cruel e repressiva” contra seus membros.
Em entrevista a jornalistas na sede do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), o presidente venezuelano citou o antecessor, Hugo Chávez, ao declarar que dará publicidade às atas de votação. “Digo, como líder político, filho do comandante Chávez, que o Grande Polo Patriótico e o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) estão prontos para apresentar 100?s atas. Muito em breve serão conhecidas, porque Deus está conosco e as provas já apareceram”, disse Maduro. “Estou disposto a ser convocado, interrogado, em todas as suas partes, investigado pela sala eleitoral, como candidato presidencial vencedor das eleições de domingo”, acrescentou.
Passados três dias da eleição que, segundo o CNE, reelegeu Maduro com 51% dos votos — resultado contrário ao que pesquisas independentes indicavam, que seria a vitória do opositor Edmundo González Urrutia —, cresce a pressão internacional sobre o regime venezuelano para que apresente provas da vitória governista e estanque a violência contra manifestantes pró-oposição.
A principal líder da oposição, María Corina Machado, e seu candidato à Presidência, Edmundo González Urrutia, sustentam que foram os vencedores do pleito, alegam que houve fraude e pedem o fim da repressão aos opositores. Desde segunda-feira, quando começaram as manifestações contra o governo, em Caracas e outras cidades do país, pelo menos 11 civis foram mortos, e há dezenas de feridos. Mais de mil pessoas foram presas, segundo informou o procurador-geral do país, o chavista Tareck William Saab.
“Não haverá misericórdia, não haverá justiça. Tem que haver justiça por todos os danos que cometeram”, disse Saab sobre os oposicionistas presos. Em tom de ameaça, declarou ainda que “aqueles que participaram (dos protestos) serão privados da sua liberdade durante muitos anos”.
María Corina denunciou, em suas redes sociais, “a escalada cruel e repressiva do regime”, e informou (sem confirmação de fontes confiáveis) que 16 pessoas morreram nos inúmeros protestos contra o governo deflagrados nas últimas 48 horas.
O clima na capital venezuelana é de desconfiança. O CNE denunciou que, durante a jornada de domingo, houve uma invasão ao sistema automatizado de votação. Para Nicolás Maduro, foi uma “tentativa de golpe de Estado utilizando o processo eleitoral”. María Corina Machado afirma ter em seu poder cópias de 84?s atas de votação que comprovariam a fraude e está publicando os documentos em um site na internet.
Limite da paciência
“A nossa paciência e a da comunidade internacional estão se esgotando à espera de que as autoridades eleitorais venezuelanas digam a verdade e publiquem todos os dados detalhados dessas eleições para que todos possam ver os resultados”, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby.
O Centro Carter — organização não governamental dos Estados Unidos —, convidado pelo CNE para observar o pleito do último domingo, concluiu que as eleições presidenciais “não podem ser consideradas democráticas” por não atenderem aos “parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral”.
O G7 (grupo que reúne as sete maiores economias do planeta) também pediu ao governo de Maduro que publique os documentos das sessões de votação. “Fazemos um apelo às autoridades competentes que publiquem resultados eleitorais detalhados com total transparência e pedimos aos responsáveis (pelo processo eleitoral) que compartilhem imediatamente toda a informação com a oposição e com observadores independentes”, diz a nota divulgada pela presidência italiana do G7, também formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido. “Os relatórios de observadores independentes nacionais e internacionais suscitaram sérias preocupações sobre os resultados anunciados”, declararam os países do G7 no comunicado conjunto.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, por sua vez, fez “um apelo firme à calma, ao civismo e à garantia dos direitos fundamentais de todos os venezuelanos e venezuelanas”. O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, publicou declaração nas redes sociais cobrando que as autoridades da Venezuela “devem pôr fim às detenções, à repressão e à retórica violenta contra membros da oposição” e que “as ameaças contra Edmundo González Urrutia e María Corina Machado são inaceitáveis”, afirmou na rede social X. Uma dessas ameaças partiu do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, que responsabiliza os dois líderes oposicionistas pelos protestos pós-eleitorais. Para ele, María Corina e Urrutia “deveriam ser presos”.
A pressão por transparência também aglutina governos da América Latina. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro — que mantém boas relações com Maduro —, havia pedido uma “apuração transparente, com contagem de votos, documentos, com observação de todas as forças políticas de seu país e observação internacional profissional”. Outro aliado de esquerda no continente, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, rejeitou participar da reunião convocada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar das eleições venezuelanas e criticou a “parcialidade” do organismo multilateral.
A iniciativa da OEA, para Obrador, “não ajuda a buscar uma saída pacífica, democrática, para um conflito de um país da América Latina”. Segundo ele, o México continuará aguardando provas dos resultados da votação antes de se posicionar oficialmente. “O que queremos é que haja provas, que as atas sejam mostradas, que haja transparência”. Para Obrador, é preciso “agir com prudência para não nos deixarmos levar pela corrente direitista que influencia o mundo”.
Ontem, o Conselho Permanente da OEA rejeitou uma proposta de resolução que exigia transparência ao governo da Venezuela sobre os resultados eleitorais que deram vitória a Nicolás Maduro. O texto não obteve maioria absoluta dos Estados-membros para ser aprovado.
Rompimento diplomático
A Venezuela anunciou, ontem, o rompimento das relações diplomáticas com o Peru, como resposta ao reconhecimento do opositor Edmundo González Urrutia como “presidente eleito” pelo governo peruano. A decisão do país andino foi considerada uma afronta pelo regime de Maduro. O chanceler venezuelano, Yván Gil, postou, nas redes sociais, que a decisão foi motivada pelas “declarações imprudentes” do chanceler peruano, que, segundo Gil, desconsideraram a vontade do povo venezuelano e a Constituição do país.
Padilha: “O Brasil foi decisivo”
O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse, ontem, que o Brasil foi decisivo para que houvesse eleições na Venezuela e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se precipitou em seus comentários sobre a reeleição de Nicolás Maduro. Padilha reforçou que o governo aguarda a divulgação das atas de votação para reconhecer ou não o resultado da eleição.
“É muito importante a gente ter noção do tamanho do Brasil e da liderança do presidente Lula, e de uma postura correta do presidente Lula. A postura do Brasil é decisiva. Foi decisiva para ter eleições na Venezuela, foi decisiva para que a oposição pudesse ter participado das eleições. O Brasil tem sido um mediador desde o começo, com outros países”, frisou Padilha durante o programa Bom Dia Ministro, do Canal Gov.
Na avaliação de Padilha, o posicionamento é necessário para que Lula possa participar do processo de pacificação na Venezuela após as eleições. Há conflitos, manifestações e prisões de opositores ocorrendo no país após o pleito.
Oficialmente, o governo brasileiro aguarda a liberação das atas para reconhecer ou não o resultado das urnas na Venezuela. Ontem, em entrevista à TV Centro América, de Mato Grosso, Lula reforçou a posição, mas disse não haver “nada de grave” ou “assustador” no pleito.
O ministro citou ainda tratar-se da mesma posição adotada por outros países, como Colômbia, México e Estados Unidos. Os EUA, porém, já demonstraram preocupação com a possibilidade de fraude.
Autonomia do PT
Padilha também comentou a nota emitida pelo PT que reconheceu a legitimidade da eleição venezuelana e a reeleição de Maduro, mesmo sem a divulgação das atas e com suspeitas de fraude sobre o resultado.
“O PT tem autonomia. Até por ser o presidente Lula uma pessoa democrática, por defendermos a democracia, os partidos têm autonomia. Nós não somos um país onde o presidente manda no partido, ou o partido manda no presidente”, enfatizou.
Segundo o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, o PT, ao qual é filiado, tem legitimidade para se posicionar da forma como decidir, mas afirmou que o posicionamento não reflete a visão oficial do governo brasileiro.