Jornal Ceilandense
Nos primeiros mandatos de Lula e no primeiro de Dilma, partido elegeu três presidentes da Casa e um PT perde poder na Câmara
Sunday, 18 Feb 2024 18:00 pm
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Foi-se o tempo em que Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República era garantia de facilidades para o PT e o governo no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados. Nos dois primeiros mandatos do petista, de 2003 a 2010, e no primeiro de Dilma Rousseff, 2011 a 2014, o PT era mais poderoso e enfrentava menos resistência que as atuais.

Naquele período, o partido de Lula, que chegava ao Planalto após três derrotas seguidas, elegeu três presidentes da Câmara e um aliado do PCdoB: João Paulo Cunha (2003 a 2005), Aldo Rebelo (2005 a 2007), Arlindo Chinaglia (2007 a 2009) e Marco Maia (2011 a 2013). Hoje, é próximo de zero a chance de um petista ser eleito para o cargo e terá dificuldade até mesmo de fazer alguém de seu grupo político o sucessor de Arthur Lira (PP-AL), na eleição do ano que vem.

Os tempos são outros. O toma lá dá cá tomou proporções, as verbas de emendas deram autonomia ao Congresso em relação ao Executivo, o Centrão segue ávido por cargos e está mais capitalizado e, neste momento, o governo enfrenta um presidente da Câmara que bateu o recorde de votação. Lira alcançou 464 votos no primeiro turno, a maior da história, e tem o controle da pauta de votações. Outro fator é que o país passou por um governo conservador e de direita, o de Jair Bolsonaro (PL), o que gerou a mais raivosa oposição ao petismo.

No rastro da vitória de Lula, João Paulo Cunha foi eleito presidente da Câmara em 2003 com 434 votos, a segunda maior até hoje. Difícil que um candidato do PT alcance hoje desempenho parecido. O reinado dos aliados de Lula no comando da Casa foi brevemente interrompido apenas pela surpreendente vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005, mas ele durou apenas seis meses no cargo e foi obrigado a renunciar acusado de comandar um esquema de “mensalinho”  nos restaurantes do prédio. Rebelo, do PCdoB, com apoio de Lula, o sucedeu e venceu.

Polarização

Para Marco Maia, o momento do país é bem diferente daquele vivido por Lula. O ex-presidente avalia que a polarização no Brasil mudou de atores.

“Se, no passado, tínhamos uma polarização mais qualificada com a esquerda e um centro mais democrático, hoje, temos a esquerda e uma direita mais atrasadas e desqualificadas. Mas só isso não justifica o momento político e as dificuldades encontradas pelos governos para dialogar com o Congresso e suas lideranças”, disse Maia ao Correio.

O petista elenca outros fatores, como a perda da confiança de deputados e senadores e no Planalto resultou no que chamou de endurecimento das leis orçamentárias e gerou o aumento do parlamento.

“No início do segundo mandato da Dilma já existia um estresse quase que irrecuperável entre os Poderes, o que só se aprofundou nos governos que se sucederam. Eu diria que os parlamentares estão mais livres da influência desses outros Poderes e acabam buscando cada vez mais uma independência. O que não é ruim, se visto isoladamente, mas pode ser desastroso em um ambiente de pouca responsabilidade com pautas populares e sociais, onde o Centro deixa de ser a boa política e se torna apenas o debate de interesses corporativos, setoriais e não republicanos”.

Se, no passado, tínhamos uma polarização mais qualificada com a esquerda e um centro mais democrático, hoje, temos a esquerda e uma direita mais atrasadas e desqualificadas” Marco Maia, ex-presidente da Câmara

Emenda tornou deputado independente

 Para o professor e advogado de direito eleitoral Fernandes Neto o PT não terá força para eleger o sucessor de Lira e o Planalto deverá mesmo é apoiar um candidato diverso da coalização que o elegeu. Os nomes que surgem hoje são do líder do PSD na Câmara, Antônio Brito (BA), e o do atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), presidente nacional da legenda.

“Além da incapacidade numérica da atual bancada governista, novos fatores políticos, inexistentes nos governos anteriores petistas, alteraram a correlação de forças entre Legislativo e Executivo. Desde do rompimento da coalizão partidária que dava sustentação ao governo Dilma 2, o Centrão liderou uma série de modificações normativas sob o signo de ‘fortalecimento’ do Poder Legislativo, mas que de fato, o tornou disfuncional”, disse Fernandes Neto, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). Ele complementa o raciocínio e cita a vantagem e independência que a diversidade de emendas trouxeram ao parlamentar

“O aumento desproporcional e a imposição das emendas parlamentares, as individuais, de bancada e de comissão, no orçamento federal, fortaleceram pessoalmente o deputado federal, tornando-o independente para executar individualmente esse orçamento, à margem de planejamento estratégico, o que, inclusive, lhe confere vantagem eleitoral”.

Independência

Para o especialista eleitoral, além das emendas, a viabilização dos fundos públicos, como o eleitoral, tornaram os deputados e os maiores partidos mais fortalecidos e menos dependentes. E ressalta que desde que Eduardo Cunha foi presidente da Câmara as negociações de apoio ao governo não são feitas mais diretamente com os líderes partidários.

“O presidente Artur Lira representa grande parte dos votos necessários para aprovação dos projetos de interesse do Governo, em detrimento da valorização das lideranças dos partidos. Isso ocorreu no governo passado e se repete, no atual. A diferença é que Lula tem trabalhado para incorporar, novamente, a negociação direta com as lideranças partidárias no Congresso, o que tem justificado o ‘morde e assopra’ de Lira e sua rejeição a Alexandre Padilha, que é ministro da articulação política. São essas as tênues condições do processo sucessório na Câmara dos Deputados, que, se mantidas, com o insucesso imediato da estratégia política de Lula, tendem a moderar o interesse petista de ascender à presidência da casa. Isto, se nada de extraordinário ocorrer, o que não é impossível na dinâmica política nacional”, conclui Fernandes Neto.

Além da incapacidade numérica da atual bancada governista, novos fatores políticos, inexistentes nos governos anteriores petistas, alteraram a correlação de forças entre Legislativo e Executivo” Fernandes Neto, especialista eleitoral