Está aberta uma nova frente de atrito entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. A suspeita de irregularidades no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) levantada pela Receita Federal voltou a tensionar a relação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O programa foi criado em 2021 para ajudar o setor de turismo, atingido pelas políticas de restrição da mobilidade das pessoas na pandemia da covid-19 que, por conta do isolamento social, foram orientadas a ficar em casa. Vários segmentos da economia foram atingidos.
Haddad confirmou, ontem, a investigação da Receita, e garantiu que será divulgado um relatório sobre possíveis fraudes. “Não se trata de caça às bruxas. Obviamente, quem errou vai ser punido na forma da lei. Trata-se de mostrar que o programa não pode ter essa dimensão. Isso é muito ruim para o país. O país não está em condições de desperdiçar esse dinheiro diante do quadro (fiscal), que inspira cuidados”, explicou.
O ministro pediu à Receita que divulgue dados do CNPJ das empresas beneficiadas pelo programa. “Nós vamos dar a público o quanto cada empresa deixou de recolher (em impostos) alegando ser beneficiária do programa. Isso vai deixar claro que, na verdade, não foram R$ 4 bilhões (de renúncia fiscal total), como se estimava. O informe é superior a R$ 16 bilhões, ou seja, quatro vezes mais”, disse Haddad.
Lideranças do Congresso já haviam recebido do ministro alertas sobre essas distorções no Perse, em que a suspeita é de operações ilegais que envolvem, inclusive, lavagem de dinheiro.
No discurso de reabertura do ano legislativo, na segunda-feira, Lira fez uma defesa do programa, logo depois de criticar o governo Lula e dizer que os parlamentares exigem, “como natural contrapartida”, o respeito aos acordos.
“Conquistas como a desoneração (da folha de pagamento) e o Perse, essencial para que milhões de empregos de um setor devastado pela pandemia se sustentem, não podem retroceder sem ampla discussão com este Parlamento”, afirmou Lira, no discurso.
A medida provisória editada pelo governo no fim do ano passado que reonerou a folha de pagamento para 17 segmentos da economia que gozam de benefícios fiscais prevê a extinção gradual do Perse até 2025. O governo destinou R$ 20 bilhões para o programa. Quando esse valor for atingido, o Perse deve ser encerrado.
A revelação de possíveis desvios no programa ocorreu na véspera de um grande encontro, no Congresso Nacional, de parlamentares que defendem a continuidade do Perse, e de empresários e empregados do setor de turismo. Deputados e senadores de legendas diversas discursaram no salão Nereu Ramos, na Câmara, que estava lotado.
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) — autor do projeto que criou o programa e principal defensor e líder desse movimento — afirmou que manter o esvaziamento do Perse na medida provisória é uma “discriminação com o setor de eventos”. Ele afirmou ser “estranho” que essa suspeita de ilegalidade tenha vindo à tona na véspera do encontro dos segmentos do turismo.
No seu discurso para a plateia, Carreras declarou que o Perse é um programa que ultrapassa os partidos e vai além das diferenças políticas e ideológicas. Ele afirmou que integra um partido, o PSB, da base do governo, “de Geraldo Alckmin”, mas que o tema é de todos. No palco, congratulou com outros parlamentares, como Eduardo Bolsonaro
(PL-RJ). Carreras disse que fez “oposição respeitosa” ao governo de Jair Bolsonaro. O filho do ex-presidente disse que, se o pai tivesse sido reeleito, aquela reunião não estaria acontecendo.
Entre os poucos governistas presentes no ato, o deputado Jonas Donizette (PSB-SP) contou que é vice-líder do governo Lula na Câmara, mas que apoia a continuidade do programa.
Fernando Haddad disse que o relatório do Perse será produzido e divulgado rapidamente, assim que governo e servidores da Receita fecharem um acordo para encerrar a greve no órgão. O ministro receberia, ontem, um grupo de deputados e empresários da hotelaria que defendem os incentivos fiscais, mas o encontro foi cancelado.
Não se trata de caça às bruxas, quem errou vai ser punido na forma da lei. Se trata de mostrar que o programa não pode ter essa dimensão. Isso é muito ruim para o país. O país não está em condições de desperdiçar esse dinheiro diante do quadro (fiscal), que inspira cuidados” Fernando Haddad, ministro da Fazenda